sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Financiamento público democratiza...

Financiamento público fortalece a democracia e democratiza a política

Por Henrique Fontana

Vivemos um momento da sociedade brasileira em que a democracia está cada vez mais forte. Podemos dizer com orgulho que uma sociedade que saiu da ditadura militar há poucas décadas tem conseguido trazer os conflitos de interesse para a arena institucional, ampliando a capacidade de representação, incluindo cada vez mais setores historicamente alijados do poder. Encontrar os caminhos para fortalecer e legitimar a política no Brasil é fundamental para que continuemos este processo.
A política brasileira tem sido com muita frequência associada a casos de corrupção. O canal eleitoral, sem o qual a maioria da população dificilmente consegue fazer valer seus interesses, parece sob constante suspeita de servir mais para promover compromissos obscuros do que o interesse público. Parece-nos que encontrar formas de diminuir a possibilidade de relações escusas entre interesses privados e representantes políticos é dar um passo seguro no fortalecimento dos canais de representação. Por isto, estamos propondo que a Comissão de Reforma Política enfrente o problema de mudar a legislação sobre o financiamento das campanhas eleitorais.
É fato conhecido, por qualquer pessoa que tenha dedicado algum tempo a analisar as campanhas eleitorais, no mundo inteiro, que os problemas de financiamento são generalizados e observados em praticamente todos os países. As empresas e grandes corporações sempre procuram os meios de influir na política, e é no financiamento das campanhas que encontram o calcanhar de Aquiles dos políticos. Nas últimas décadas, os problemas parecem ter se agravado. Houve uma clara escalada dos gastos de campanha – da década de 1970 para cá, os aumentos foram gigantescos. Veja os números recentes da campanha para deputado federal em todo o Brasil: em 2002, foram gastos R$ 191 milhões; em 2006, foram R$ 439 milhões; e em 2010 os custos pularam para R$ 926 milhões. Se essa escalada continuar, onde chegaremos em 4 ou 8 anos? 
E os dados mostram, ainda, que o volume de gastos nas campanhas é decisivo para a capacidade de obter sucesso e se eleger: dentre os 513 eleitos em 2010 para a Câmara, por exemplo, 369 estão entre os candidatos que mais gastaram, segundo as prestações de conta ao TSE. Os eleitos gastaram em média doze vezes mais do que o restante dos candidatos.
É claro que é possível fazer campanhas no sistema atual de maneira digna e honrada, mas o financiamento privado, especialmente quando feito por empresas, mesmo de forma transparente e legal, mantém sempre acesa a chama da suspeita de que a fatura será cobrada e os interesses privados se sobreporão ao interesse público. Esta situação repercute também para o lado das empresas, cada vez mais resistentes a se expor a este tipo de ilações.
Financiar as campanhas eleitorais com os recursos públicos nos parece ser a melhor maneira de enfrentar este quadro.
Em primeiro lugar, porque possibilita um financiamento livre de interesses outros que não sejam os legítimos interesses de representação política. Pela nossa proposta, o financiamento pelo Estado será definido por critérios claros e transparentes, vinculados à força dos partidos junto à sociedade.
Em segundo lugar, porque permite aumentar a participação política de setores hoje mal representados, possibilitando que se tornem competitivos candidatos que hoje não têm acesso a recursos. A redução da influência do poder econômico permite assim aumentar a representatividade do sistema político.
Dentre as objeções mais comuns que temos ouvido sobre o financiamento público encontra-se a de que o sistema não impede a burla, e que o caixa 2 e as fraudes continuarão. As ilegalidades se apresentam em todas as atividades reguladas por lei, por isso o projeto prevê a criminalização pelo desvio de recursos e arrecadação ilícita (caixa 2), além de outras sanções eleitorais e administrativas.
Os recursos seriam definidos pela Justiça Eleitoral, responsável também pela gestão do futuro fundo para financiamento das campanhas, e distribuídos aos comitês financeiros das candidaturas, de forma qu,e desde o início da campanha, qualquer eleitor possa saber quanto e como estão sendo gastos os recursos. O financiamento público gerará assim campanhas mais baratas, com um teto de gastos estabelecido e fiscalizável. O aumento da transparência e da possibilidade de controle dos gastos são evidentes.
A outra objeção frequente é quanto à fonte dos recursos: não seria correto onerar os cofres públicos, desviando recursos de outras frentes, onde seriam mais importantes. A pergunta crucial a fazer, contudo, seria: quantos recursos públicos serão poupados pela ausência dos compromissos espúrios que o atual sistema propicia (as emendas orçamentárias favorecendo gastos desnecessários, os favorecimentos em licitações, os superfaturamentos)? Além disso, em muitos casos há suspeitas de que as empresas embutem os gastos com financiamento eleitoral nos seus preços, o que também acabaria sendo pago pelo contribuinte. O investimento público nas campanhas certamente será compensado pela economia na outra ponta.
Não pretendemos com este projeto criar um sistema perfeito e invulnerável, mas dar passos seguros para que tenhamos campanhas mais baratas, mais representativas, mais transparentes e, sobretudo, mais legítimas. O fortalecimento da democracia merece este investimento.

Deputado Henrique Fontana é relator da Comissão Especial de Reforma Política da Câmara dos Deputados e do Partido dos Trabalhadores (PT)

domingo, 18 de setembro de 2011

Tarifa zero nos transportes coletivos....


Artigo defende a importância da Campanha Tarifa Zero, lançada em agosto deste como uma continuidade das mobilizações por transporte público e gratuito que vêm acontecendo pelo Brasil. O projeto de Lei Tarifa Zero prevê a gratuidade do transporte público por meio de um Fundo de Transportes, que utilizaria recursos arrecadados por impostos em escala progressiva, proporcionalmente à renda de cada indivíduo ou empresa, para subsidiar o transporte nas cidades brasileiras.

Por Lucas Monteiro

No ano de 2011, um grande número de manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus ocorreu por todo o Brasil. A onda de protestos, iniciada em São Paulo e Salvador, espalhou-se pelo Brasil e em algumas cidades ganharam grandes proporções como em Vitória, Teresina e Manaus.
Além disso, outras cidades, apesar de também terem conseguido conquistas, não tiveram tanto destaque midiático, como em Diamantina, onde o aumento foi revogado, ainda que provisoriamente.
Tais manifestações nos remetem ao biênio 2004/2005 no qual os diversos atos contra o aumento resultaram na fundação do Movimento Passe Livre, que se propunha a pensar o transporte e lutar para que ele fosse organizado em função dos interesses dos usuários e não do lucro.
A reedição desta onda de manifestações pelo Brasil seis anos depois da formação do MPL nos obriga a pensar neste cenário das cidades brasileiras. A crise dos transportes é evidente. Segundo uma pesquisa do IPEA, 37 milhões de pessoas são excluídas do transporte por falta de condições financeiras de pagar as tarifas.
Em São Paulo, é mais barato pagar as prestações de uma moto do que utilizar diariamente o transporte coletivo; e, ao mesmo tempo, as vias estão cada vez mais congestionadas pela utilização do transporte individual, causando sérios impactos ambientais e na saúde dos que vivem nas cidades.
No que se refere aos aumentos, seguimos sempre o mesmo roteiro: os aumentos são anunciados, os estudantes saem às ruas, o poder público se justifica, acontecem mais algumas manifestações e as pessoas voltam para suas casas e, independente do aumento ser revogado ou não, a estrutura de transportes permanece a mesma. Após estes momentos de ascenso das lutas pelo transporte, somos forçados a repensar a atuação política nas cidades e pensar em como dar continuidade as mobilizações.
Foi com esta questão em mente que, em São Paulo e Joinville, encampou-se a proposta de uma campanha pela Tarifa Zero. A ideia é avançar da pauta reativa nos transportes e partir para uma agenda propositiva.
Desta maneira, o transporte não seria discutido apenas no momento do aumento, mas passa a ser um campo de mobilização permanente. Além disso, a proposta de Tarifa Zero ataca a lógica de exclusão no transporte e propõe que ele se organize em novas bases.
Em São Paulo, foi elaborado um projeto de iniciativa popular que, construído com o esforço militante, garante que a campanha não seja vinculada a nenhum parlamentar ou grupo, mas seja uma construção de diversas pessoas, grupos e movimentos.
A iniciativa popular possibilita que a discussão do modelo de transportes seja feita nas ruas, diretamente com as pessoas. Além disso, o processo de coleta de assinaturas constrói uma mobilização da sociedade, que será necessária se pretendemos aprovar o projeto.
A campanha de Tarifa Zero é algo que está sendo construído junto aos diversos movimentos que atuam na cidade e é só assim que poderá ser vitoriosa, pois a luta pelo transporte é um meio de acesso aos demais direitos.
Por exemplo, para ter acesso a saúde de maneira integral não basta que o posto de saúde tenha os profissionais especializados, bem remunerados, que não faltem remédios e equipamentos; é necessário também que o usuário consiga chegar até o equipamento de saúde e este acesso depende do uso do transporte, o deslocamento tem um custo, que é agravado nos atendimentos que dependem da ida regular aos equipamentos de saúde, como os fisioterápicos e fonaudiológicos.
Para ir a qualquer museu, centro cultural, exposição de arte, ou peça de teatro o trabalhador deverá pagar seis reais, então, mesmo que a atividade seja gratuita, ela é vedada muitas vezes aos que gostariam de assisti-la pela dificuldade de locomoção. Assim, as artes ficam interditadas para uma parcela significativa da população.
O acesso efetivo à cidade, em sua plenitude, só pode ser obtido com a ampliação dos limites impostos à nossa mobilidade urbana e, para isto, é necessário que o transporte seja verdadeiramente público, ou seja, que todos possam usá-lo sem restrições.
Evidentemente, a possibilidade de chegar aos diferentes espaços de uma cidade não irá fazer com que estes espaços sejam planejados e construídos pensando no bem-estar dos trabalhadores; tampouco irá garantir que políticas de saúde, cultura, educação e moradia sejam concretizadas, respeitando os anseios da população. Mas este acesso permite a observação e reflexão sobre este espaço, aclarando as contradições presentes na cidade.
A coleta das 500 mil assinaturas de eleitores paulistanos, necessárias para que o projeto seja encaminhado para a Câmara dos vereadores, não será uma tarefa fácil. Será necessária uma ampla unidade dos setores progressistas que devem se articular e se por em luta a partir de uma demanda concreta da população.
A implementação da Tarifa Zero significa uma subversão da lógica pela qual a cidade está organizada, pois inverte a prioridade dada ao transporte individual para priorizar o transporte coletivo e garantir a mobilidade urbana daqueles e daquelas que constroem a cidade e que devem ser elementos ativos na transformação desta.

Lucas Monteiro é mestrando em História pela Universidade de São Paulo (USP) e é militante do Movimento Passe Livre