Ator Paulo Betti:
“Torço pelo Lula como se ele fosse da minha família”
Por: Marcela Rodrigues Silva doJornal da Tarde
Paulo Betti está no ar em dose dupla na Globo. Como o advogado Jonas, da novela das 6 A Vida da Gente, e como o mau-caráter Wanderlei, cúmplice da gêmea má Raquel (Gloria Pires), em Mulheres de Areia (1993), exibida no Vale a Pena Ver de Novo. Da comparação com os personagens de 18 anos de diferença, surge a satisfação com o presente. Aos 59 anos e de bem com as rugas, ele diz que até ficaria nu, novamente, como fez no filme Casa da Mãe Joana (2008). “Meu corpinho estará lá, se for preciso.” Filho de uma líder espiritual, o ator paulista tirou da infância humilde, ao lado de 15 irmãos, a imunidade para os deslumbramentos da fama. Em conversa com o JT, falou sobre a autocrítica que resiste aos mais de 30 anos de carreira, da admiração pelo ex-presidente Lula e da vontade de voltar à militância política.
O retorno do público está maior com dois personagens no ar?Muito e pelos dois. Aliás, o Wanderlei, de Mulheres de Areia, é um papel muito bacana, incrível. Eu não tinha essa noção naquele tempo.
O Wanderlei está fazendo mais sucesso do que o Jonas então?
Não. O Jonas é imbatível. A história de ele dar um cheque de R$ 1 milhão para receber o sêmen do irmão mexe com o imaginário. As pessoas adoram essa polêmica. Fazia tempo que não tinha um personagem tão bacana, bem escrito e estruturado. Estou gostando muito.
Assim como o Jonas, você teve filho jovem e depois dos 50 anos. Sente as semelhanças?
A básica é ele ser casado com uma moça jovem. Eu tive um filho – hoje, com 8 anos –, com uma mulher mais nova (a atriz Maria Ribeiro, de 36 anos). São situações parecidas, porque a novela é muito realista. Mas não sou igual a ele. Eu me dou muito bem com as minhas ex-mulheres e meus filhos.
Vê diferença na qualidade das novelas de antes e agora?
Acho que a Globo sempre fez novelas com o melhor da qualidade do momento, mas uma novela depende muito de dramaturgia, do texto. Se ela é bem escrita, é boa em qualquer época. E existiam algumas péssimas lá atrás.
Aos 59 anos, sente que a carreira mudou em termos de personagens? Os convites diminuíram?
Não. Foram os papéis que mudaram. Em Mulheres de Areia, por exemplo, eu fazia o namorado da menina má. Hoje, faço o pai e o avô. Fiquei fora da TV, porque estava focado em fazer meus filmes como diretor e produtor. Agora, fiquei com vontade de desenvolver o lado ator. E o fato de eu estar no teatro (com a peça ‘Deus da Carnificina’) potencializa o meu desempenho de ator na novela.
Você gosta de fazer TV e teatro ao mesmo tempo?
O teatro é onde o ator afia sua ferramenta de trabalho, que é seu corpo. Deixa ele tinindo.
Como sua carreira começou?
Comecei muito jovem, no teatro amador, em Sorocaba (SP). Depois, fiz Escola de Arte Dramática, da USP e fui até professor de teatro na Unicamp. Quando comecei a fazer novela na Tupi e na Globo, já tinha 30 anos.
Você teve a fase da curtição, do deslumbramento?
Não. Sempre fui trabalhador demais para ser deslumbrado. O teatro não dá essa abertura. Cheguei à Globo maduro, já estabelecido como ator e não tive deslumbre com a televisão.
Sua mãe teve 15 filhos. Passou dificuldades na infância, em Sorocaba?
Minha mãe cuidou bem de todos. Ela era líder espiritual na cidade. Meu pai era muito humilde. Estudei em escolas públicas ótimas, fiz ginásio técnico industrial de alta qualidade. Era uma pobreza bacana, ligada à natureza. Não tínhamos excesso, mas o suficiente para uma infância feliz.
E você tem religião?
Sou ecumênico. Fui batizado e me crismei na Igreja Católica. Mas admiro o sincretismo religioso da umbanda, a pureza mitológica do candomblé, o budismo e a Congregação Cristã no Brasil. Como diria Guimarães Rosa, bebo de todas estas águas.
Você sempre demonstrou carinho pelo Lula. Como reagiu à notícia da doença dele?
Fiquei muito emocionado quando soube, como se fosse um irmão. Acho que todos os brasileiros sentiram isso. Eu tive a oportunidade de estar com ele algumas vezes e o admiro muito mesmo. Torço por ele como se fosse alguém da minha família.
Atrapalhou você profissionalmente ter ido à mídia opinar a favor dele e do PT?
Toda ação tem uma reação. Evidentemente, quando me envolvi com algum aspecto polêmico, isso me prejudicou. Às vezes, você se coloca numa situação de forma impensada. Não tive prazer nenhum nos momentos polêmicos políticos pelos quais passei.
Arrependeu-se?
Não. Mas faria diferente, teria mais cuidado com as palavras.
Em 1989, você ajudou a produzir o clipe do jingle ‘Lula Lá’, com o Odair José. Quando se interessou por política?
Quando cheguei à Escola de Arte Dramática, em 1972, havia um clima de repressão. Como eu era um jovem que vinha de uma família de lavradores, sentia vontade de ajudar a derrubar o regime militar. Por volta da década de 80, eu estava doido para que aparecesse alguém que me representasse. Aí, apareceu o PT e me identifiquei. Eu me orgulho desse vídeo.
Por que está distante hoje?
Hoje, o quadro político é mais diversificado. Não é preciso concordar com todas as teses do partido, nem ficar ajudando a fortalecê-lo. A militância é mais pontual. Estou distante, mas ainda crítico.
Pretende voltar a militar? Nas próximas eleições, por exemplo?
Em alguns momentos, a coisa fica tão quente, que fico doido para entrar em campo e militar de novo. Geralmente, isso acontece em período de eleição presidencial. Fico doido para ajudar a eleger aquele que acho mais importante e me acende a gana de participação política. E se a conjuntura for estimulante, participarei sim.
Já ficou constrangido em cena?
Às vezes, minha atuação sai tão ruim que me sinto constrangido, mas nunca pela cena em si. E com essa palavra parece que fui obrigado a fazer algo que não queria. Acho que, neste caso, é decepção.
Não pensei em ouvir isso de um ator tão experiente. É crítico?
Demais. Na maior parte das vezes, não gosto do que vejo. Mas se as pessoas gostam… É que eu vejo os meus andaimes. É como um pintor que usa traços para fazer seu desenho e depois apaga para ficar perfeito. Eu vejo estes traços. Mas depois o tempo passa, assisto de novo e acabo gostando.
Em ‘Casa da Mãe Joana’ (2008), você ficou nu. Faria de novo?
Quando a gente entra na escola de teatro, uma das primeiras lições é que o corpo é o instrumento de trabalho. As pessoas acham um escândalo um professor fazer os alunos ficarem nus. É natural. O ator utiliza o corpo para representar papéis, com ou sem roupa. O filme é incrível. Vai ter o 2 e, se for necessário, meu corpinho estará lá.
Você é vaidoso? O que acha dos atores que fazem plástica?
Sou, mas me cuido para ser saudável. Cada um faz o que quer com o corpo. O ator tem de ter cuidado. Se dá errado, perde a expressão. Estou satisfeito com as minhas rugas. Preferia não tê-las, mas a vida é isso, o tempo passa.