Fonte:Revista Isto é independente
O trovão virou toque de recolher. Na falta de qualquer ação preventiva do poder público, os paulistas, resignados, prestam atenção aos sinais da natureza para enfrentar mais um verão de enchentes. A situação é recorrente. Como num roteiro cumprido a cada ano, o mês de janeiro em São Paulo foi marcado pela forte chuva. Na segunda-feira 10, foram contabilizados 127 pontos de alagamento na capital, um recorde desde 2005. Durante a semana, os rios Tietê e Pinheiros transbordaram, famílias perderam tudo com suas casas inundadas, carros submergiram, ruas importantes foram interditadas por árvores caídas e a cidade parou. Seis pessoas morreram e centenas já estão desalojadas. A Defesa Civil começa a contabilizar os estragos que só devem cessar no final de março, com o início do outono.
Há décadas, a população ouve os mesmos argumentos, duvidosos e gastos, das autoridades para justificar os estragos. “Chuva histórica”, “tempestade atípica”, “temporada excepcional”. O prefeito Gilberto Kassab tentou explicar, na terça-feira 11, o motivo da versão atual do drama reincidente. “Cada vez mais, chove mais”, declarou ele, quatro meses depois de ter afirmado que a cidade “está mais bem preparada para as enchentes.” Confuso e evasivo também se mostrou o governador Geraldo Alckmin. Singelamente, ele disse não ser possível “fazer obra em 24 horas” contra enchentes, sem justificar por que nenhum projeto consistente foi feito pelo seu partido, o PSDB, há 16 anos no comando do Estado de São Paulo. A complexidade da cidade e a ocupação de áreas irregulares estimulada pelo crescimento populacional, somada a outros problemas estruturais e à ausência de um projeto de longo prazo, produzem uma bomba-relógio que explode ano após ano na capital.
Desde 1998, quando o Departamento de Água e Energia Elétrica (Daee) concebeu o plano de Macrodrenagem, apenas 45 dos 134 piscinões previstos foram entregues. A impermeabilização do solo, agravada pelo crescimento da mancha urbana da Grande São Paulo, que quase triplicou em 50 anos, e o assoreamento dos rios exigem uma medida urgente. “Existe uma descoordenação entre a prefeitura e o governo estadual que reflete nos serviços e projetos feitos na cidade”, diz Cândido Campos Filho, arquiteto e urbanista, professor da Universidade de São Paulo e ex-secretário de obras da capital. “A solução para São Paulo só será possível com um estudo minucioso, que leve em conta o aumento das chuvas a cada ano e a adoção de políticas transversais”, diz. Enquanto não aparece um planejamento destes, de longo prazo, baseado em estudos cuidadosos e que conte com o apoio da sociedade civil, apenas pipocam novas promessas.
Alckmin, por exemplo, prometeu a construção de quatro piscinões para Franco da Rocha, na Região Metropolitana de São Paulo, uma das mais afetadas pelas chuvas no início da semana passada. Mas alguém acredita que a população de Franco da Rocha estará livre das enchentes no próximo verão?
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