quarta-feira, 9 de março de 2011

A invasão do Centre Ville...

Centreville caminha para a regularização

Renan Fonseca
Do Diário do Grande ABC

Quase 30 anos se passaram, e agora a primeira invasão de moradias do País caminha para chegar à legalidade. O Centreville, em Santo André, é foco de comissão de vereadores formada para pressionar Prefeitura e CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) a concederem a posse dos imóveis às famílias que vivem no bairro. A primeira audiência pública que vai colocar os dois órgãos frente a frente será realizada dia 18, às 19h, na Câmara Municipal.

Em 16 de julho de 1982, aproximadamente 600 famílias ocuparam um conjunto habitacional de alto padrão que estava praticamente abandonado. O empreendimento prometia ser o Alphaville do Grande ABC, mas a construtora se afundou em dívidas e o projeto parou no caminho.
Desde então, casarões foram mudados, quadras divididas, ruas asfaltadas e água e energia elétrica instalados. Mas ninguém ali tem documentação da casa onde vive. "Temos de pressionar o poder público para regularizar a vida dos moradores, que possuem apenas a posse sobre as casas", disse o vereador Tiago Nogueira (PT), que preside a comissão.
Até mesmo o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) aquelas pessoas não podem pagar. Em 1990, conforme explicou o vereador, uma determinação do Tribunal de Justiça garantiu que a CDHU administrasse o território do Centreville. A companhia estadual é responsável pelo pagamento do imposto à Prefeitura.
Hoje, do grupo ocupante original do Centreville, restam menos de 10 famílias, que compõem o comitê representativo do bairro. Mas toda a vizinhança almeja ter em mãos a escritura da propriedade onde mora. "Todos os anos, o carnê do IPTU chega nas nossas casas. A gente orientou todo mundo a não pagar. Mas tem famílias que acreditam que, quitando o carnê, vão ter direito à escritura", esclarece o presidente da associação dos moradores, Tarcísio Silva Cale, 55 anos - o Calé, como é conhecido.

Leilão:Em 2000, a Prefeitura ingressou na Justiça com ação de execução fiscal por falta de pagamento do IPTU (processo 7045/2000). O leilão judicial de algumas residências iria acontecer no fim do ano passado, segundo o vereador petista. Mas, em 9 de fevereiro, a 2ª Vara da Fazenda Pública extinguiu o processo. "Muitas famílias ficaram com medo de perder as casas e recorreram aos vereadores. Agora a gente quer sair desse impasse e conseguir a propriedade das casas", comentou Calé.

Lutas:
Ao lado de Calé, Newton Soares Galvão, 50, o Mineiro, também enfrentou a "borracha da polícia". "Eu fazia parte do peitoral, que era o pessoal que encarava a polícia e não deixava ela entrar no condomínio", relembra.
Mineiro hoje é mecânico e construiu uma oficina no porão da casa que ocupou. "Era tudo mato, e a construção estava nas fundações. Com muito trabalho, construí meu lar", orgulha-se.
Sobre o processo de regularização fundiária pretendida pelos vereadores, a Prefeitura não se pronunciou. Já a CDHU enviou nota informando que já está trabalhando no assunto e realizou cadastramento das famílias em 2008.

Falta de adaptação levou ocupantes embora
Padre José Mahon, 84 anos, acompanha a história do Centreville desde o início. Ele estava junto com os moradores dois dias após a invasão, e nunca mais saiu.
Mahon lembra que a ocupação aconteceu em dois momentos: 16 de julho de 1982 e 11 de fevereiro de 1983. Sempre ao lado dos ocupantes, ele explica por que restam poucas pessoas no Centreville que participaram da ocupação. "Todas as pessoas saíram de favelas e por vários motivos não se adaptaram às grandes casas do conjunto", comentou.
No começo da ocupação, todos estavam empolgados com o tamanho das residências. Aos poucos, foram percebendo que manter um casarão não era fácil. "Aquelas pessoas estavam acostumadas aos pequenos barracos, portanto, uma vez dentro das mansões, deixavam muitos cômodos desocupados", relembra o padre. Os espaços vazios eram vendidos ou alugados. E quando a situação financeira apertava, as famílias voltavam para as favelas.
"Elas aceitavam qualquer dinheiro para deixar as casas. A mudança era rápida: enquanto uma família estava saindo, a outra estava com as coisas na porta da residência. Assim, não corriam o risco de outros ocupantes tomarem a casa", explica o religioso.
Dessa forma, o bairro passou a acomodar famílias de classe média. A maioria das pessoas que lutou pela ocupação abandonou ou vendeu as casas.
Até mesmo a antiga sede da associação de moradores foi alugada para gente de fora. "Cheguei neste mês de Garanhuns (Pernambuco) e vou tentar a vida em São Paulo", explica dona Maria Aparecida de Andrade Oliveira, 44. Ela, que paga R$ 400 por mês pelo imóvel, posa na porta de casa, sem saber o significado das inscrições na parede.
Padre Mahon toma conta da Capela Nossa Senhora da Esperança, construída no centro do Centreville.

Casa no bairro pode custar até R$ 150 mil :
Compra, venda ou aluguel de imóvel. No Centreville, qualquer negócio imobiliário é feito na base da confiança. Sem documentação das casas, as famílias confiam nos vizinhos para passar adiante a residência. O costume surgiu nos primeiros anos da ocupação.
Hoje, muitas pessoas instalaram imobiliárias clandestinas e vivem desse comércio. "Sempre foi assim. Os vizinhos oferecem uma porcentagem para a gente vender a casa ou vigiar a propriedade para ninguém invadir", comentou uma moradora adepta do negócio, que preferiu não se identificar.
No bairro, uma casa pode valer entre R$ 50 mil e R$ 150 mil. "Mas é difícil alguém pagar mais do que R$ 80 mil pela residência. Aqui ninguém tem escritura, e isso não é um chamativo", explicou o engenheiro mecânico, José Santos, 62 anos, proprietário de uma imobiliária legalmente registrada, como garante.
Mesmo quem faz lar no Centreville e não participou da ocupação sonha com a documentação da casa própria. "Faz tanto tempo que estamos aqui, e por isso queremos a escritura. Não estamos pedindo nada de graça. Com os documentos, a gente paga o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e todos os impostos", falou a dona de casa Ivete Casagrande, 44 anos, que se instalou no bairro há uma década.

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